Música, criatividade e composição, por Fernando Moura

//Música, criatividade e composição, por Fernando Moura

Música, criatividade e composição, por Fernando Moura

“A pessoa é para o que nasce”. Seja na música, no futebol, nas artes plásticas, ou em qualquer outro ramo, a frase resume, de forma simples, mas muito bem colocada, a nossa experiência quando nos deparamos com alguém que detém um talento bem acima da média. E é com essa frase que Fernando Moura (acima), um dos pianistas mais influentes da atualidade, resume quando perguntado se criatividade é um talento nato. No meio de uma ponte aérea entre o Rio e o Japão, o músico descolou um tempinho e conversou com o Overdubbing, contando um pouco mais sobre os caminhos da composição em suas diversas vertentes. 

Dono de prêmios importantes, como o de melhor trilha sonora original no Festival Internacional de Cinema de Havana, com o filme “Maré, nossa história de amor” (ouça aqui a trilha), de Lúcia Murat, em parceria com Marcos Suzano, Fernando Moura tem uma carreira musical privilegiada. Já tocou com grandes nomes internacionais, incluindo Chuck Berry, George Martin, Steve Hackett e Miyazawa Kazufumi. Aqui no Brasil, já emprestou seu talento para artistas como Fagner, Oswaldo Montenegro, Francis Hime, Zé Ramalho, A Cor do Som, Moraes Moreira, Belchior, Armandinho, Elba Ramalho, Marisa Monte, Simone, Verônica Sabino, Paulo Moura, Marcos Suzano, entre outros.

Pós graduado em música para cinema, TV e multimídia na Grã Bretanha, aprimorou sua técnica de produção musical na London School of Sound. Atualmente, está envolvido no término do seu novo CD solo, intitulado TudoPiano (Assista ao VÍDEO no final deste post), e finalizando a trilha sonora do longa “O Caso Morel”, ao mesmo tempo que compõe para outro filme, chamado “180 graus”. Além disso, é colunista da revista Áudio Música & Tecnologia, tradicional no mercado de áudio, e produz trilhas para o Canal Futura e Globo Ecologia. Se você é músico, preste atenção nas linhas a seguir, pois Fernando Moura dá uma verdadeira aula de como conciliar criatividade na hora de compor com a avalanche de recursos tecnológcos que temos hoje em dia.

Leia o post ao som de Pedra do Leme, de Fernando Moura
Criatividade é um talento nato, ou é algo que qualquer um pode desenvolver?
Fernando Moura: Acredito no ditado que diz “a pessoa é para o que nasce”. Contudo, é fundamental cultivar a aptidão natural para a música como se cultiva uma planta: luz, água, carinho e cuidados diários. Existe um talento também nisso, afinal, o mundo está cheio de “gênios” musicais que nunca saem dos seus quartos por se acharem geniais demais para se misturarem aos “outros”. Inspiração, intuição e dom natural para a música existem e são definitivos, mas é preciso ter consistência. Muitas pessoas preferem se classificar como intuitivas, sendo contras opções “cerebrais” ou “sistemáticas”. Uma história interessante é a do Stravinsky, que escrevia de quatro a seis horas de música diariamente até os 90 anos de idade. Para mim, o trabalho consistente se alimenta da intuição e vice versa.

E qual seria o “caminho das pedras” para estimular a criatividade musical?
Fernando Moura: Cada artista deve descobrir um caminho para seu processo de trabalho e desenvolvimento de suas ideias. Trabalhos diferentes também podem sugerir caminhos variados. Criar uma trilha sonora para uma sequência de um filme, por exemplo, pode ser feito a partir de um timbre de instrumento virtual que você achou por acaso em um plug-in. Por outro lado, compor uma canção pode começar com um refrão que você saiu cantando totalmente por acaso, ou que ficou trabalhando duas semanas em seus oito compassos. Já gastei mais de 60 horas de estúdio mixando as vinhetas orquestrais de “O Globo no ar” de 10 a 15 segundos cada uma.

Na minha experiência, a organização das ideias, regularidade na condução do trabalho e objetividade na busca de resultados são mais realizadores. Se você quer viver de música, é importante superar o clichê de que ser organizado é oposto a ser criativo.

Qual é a importância do estudo teórico de música para a composição?
Fernando Moura: Todo estudo é importante, porque estimula a investigação, instiga a pessoa a procurar mais, a pensar no seu trabalho. Acho importante combinar os estudos com os objetivos profissionais. Decida uma área de atuação e procure estudá-la sob vários ângulos. No caso de composição é a mesma coisa. Seu sonho é ouvir suas músicas tocadas por uma orquestra ao vivo, um quarteto de cordas, ou por instrumentos virtuais programados num computador fazendo a galera levantar os braços na pista? É importante ser versátil, mas é tolo saber superficialmente várias coisas, e não saber nada profundamente. 

Como a tecnologia pode favorecer os processos criativos?
Fernando Moura: A tecnologia é favorável na medida do que somos capazes de fazer com ela. De 95 a 97 estudei e trabalhei na Grã Bretanha usando Pro Tools e Cubase em MACs. Mas, ao voltar para o Brasil, a conselho de meus professores de lá, optei por trabalhar com Windows rodando o Cubase, que rodava, na época, instrumentos virtuais (VST) e já gravando áudio. Nessa época, o Pro Tools não tinha MIDI e só rodava em MACs, que eram infinitamente mais caros no Brasil do que os PCs (Conheça o estúdio do pianista).

Perdi a conta de quantas vezes tive que responder a questões do tipo: “por que você não trabalha com Pro Tools como todo mundo”? Com o tempo, fui tão fundo no aprendizado do Cubase que passei a responder a mais perguntas do tipo: “o som aqui é muito bom, que software é esse que você está usando?” O conhecimento de tecnologia vale para encurtar o tempo entre o aparecimento de uma idéia e sua transformação em música. E é desta forma que os processos criativos são favorecidos.

Mas notamos que, a cada dia, surgem novas versões de softwares, além de novos produtos para gravação. Como lidar com o excesso de informação na hora de criar?
Fernando Moura: Ignore o que não interessa e não se esqueça de que o maior inimigo do bom é o ótimo. Será que as “fantásticas novas funções” de um produto vão lhe servir? Ou se é apenas ansiedade, a síndrome do “eu também tenho” que está lhe atacando. Equipamento não tem nada a ver com criatividade, nem com eficiência. Dimensionar investimentos para seus objetivos musicais e profissionais vale muito mais

Já que você citou a criação de trilhas sonoras, como é lidar com as pressões na hora de compor?
Fernando Moura: Compor é maravilhoso! Não tenho problema com isso, pois é a melhor parte para mim. Tenho prazer e quase necessidade física de compor todos os dias, faz parte da minha vida há mais de trinta anos. Chato é administrar a pressão do mundo dos trabalhos: orçamentos muito apertados, prazos irreais, clientes indecisos que não sabem o que querem, aprovações que dependem de muitas opiniões diferentes e pedidos adicionais de última hora que não estavam no orçamento original, mas que sempre levantam aquela dúvida: “se eu disser que não faço, vão me chamar para outro trabalho?”

Aos poucos, cada um aprende suas necessidades e limites. Uma dica importante aprendida em anos de prática diária em lidar com essas coisas: não responda a e-mail de trabalho imediatamente e sempre releia o que escreveu antes de mandar. Você vai se surpreender com a quantidade de bobagens que podem ser evitadas agindo assim.

É preciso também criatividade para divulgar uma música? Qual o melhor caminho?
Fernando Moura: Existe muita gente talentosa, preparada, mas também muitos bicões simpáticos competindo em um mercado de trabalho congestionado, e em transição por todo o choque provocado pelas novas tecnologias. Pense bem, quem vende mais música hoje em dia é uma companhia de computadores. E por quê? Porque apareceu com ideias criativas e soube vendê-las muito bem. Para divulgar seu trabalho, é preciso que ele tenha qualidade e que você conquiste a confiança do mercado. Não existem fórmulas mirabolantes. Histórias mágicas de sucesso arrebatador e instantâneo são boas para vender jornal, mas a manchete de hoje pode embrulhar o peixe de amanhã, como já disse Caetano Veloso. Estude, esteja preparado musical e tecnicamente e tenha certeza de que a oportunidade para o seu trabalho aparecerá. Ficar no jogo, no entanto, é muito mais difícil do que entrar na partida e é só para quem tem fôlego, consistência e renovação.


Clipe da música Tudo Piano, de Fernando Moura

Discografia:
Passeio Noturno (1985); Cinema Tocado (1991); Do bom e do melhor (2003); Eletro Pixinguinha (2004), com Henrique Cazes e Beto Cazes; Uma Lua (2006), com a violinista japonesa Reiko Tschuiya; e TudoPiano, com previsão ainda para 2009.

Contatos: www.myspace.com/fernandomoura
No Japão:www.gangazumba.jp e www.myspace.com/gangazumba

2010-01-05T13:02:41+00:00 Janeiro 5th, 2010|Categories: entrevistas|

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3 Comments

  1. Dilson Maia Fevereiro 13, 2011 at 6:05 am - Reply

    Matéria muito interessante. Parabens!

  2. Milton junho 1, 2011 at 9:57 pm - Reply

    Grande materia com um grande professor , Valeu Fernado Abraços !!!!!!!

  3. […] dos personagens, entre outras variáveis. Em um papo descontraído, o pianista Fernando Moura (leia entrevista com o músico), premiado na arte de criar trilhas sonoras, conversou comigo sobre composição de música para […]

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