Eu ligo o rádio e blá, blá…

///Eu ligo o rádio e blá, blá…

Eu ligo o rádio e blá, blá…

Recentemente, andou circulando pela internet a participação do cantor e compositor Lobão em um programa da rádio Transamérica de São Paulo. A participação dele acabou se tornando um excelente debate acerca do papel dos veículos tradicionais de comunicação, como o rádio e a TV, para a cadeia produtiva da música nos dias de hoje. Muito tem se falado que com o advento da internet, que deu suporte ao surgimento de novas tecnologias, incluindo as rádios digitais e plataformas como YouTube e MySpace, tais veículos teriam perdido a importância que já possuíram no passado.

Lobão defende que o rádio ainda é de grande importância para o desenvolvimento de carreiras artísticas no Brasil e que esse veículo continua sendo, muitas vezes, restrito a artistas que possuem o suporte de agentes do setor que pagam para executar suas músicas. Por mais que a internet tenha gerado benefícios no que tangem a democratização proporcionada pelos veículos digitais de divulgação, o rádio e a TV continuam sendo utilizados para estimular o consumo de um segmento artístico financiado por interesses coorporativos.

O acesso facilitado aos meios de produção e divulgação musical deu oportunidade para aqueles que têm interesse em se inserir no mercado musical, porém, para desenvolver uma carreira profissional no Brasil ainda é necessário ter acesso aos meios tradicionais de comunicação. Com base nisso, Lobão acrescenta que tais veículos atualmente encontram-se interligados, defendendo que:  “… a TV aclama o que o radio divulga que foi farejado na internet. São três estágios, e todos são interligados.”

Além disso, ele lamenta o fato de não existir nos dias de hoje uma estação de rádio com o perfil da extinta Rádio Fluminense, que executava novos artistas nos horários de maior audiência e foi responsável por lançar uma geração de grandes talentos da música popular brasileira nos anos 80. Quando se trata do acesso restrito aos tradicionais veículos de comunicação, o discurso de Lobão bate com o abordado por Mauro Dias em seu artigo “Sobre o Jabá”:

“Não há questão moral a ser considerada. O negócio é dinheiro. Um bom compositor, cantor, instrumentista, vai ter de se submeter a determinados imperativos (ditados pelos que pagam a execução), ou fica de fora. Quem não entrar no esquema não aparece. Quem quer entrar no sistema precisa ter muito dinheiro – precisa pagar mais ainda, porque as “vagas” são limitadas. Se entra um, sai outro. (…) Só quem entra no esquema, claro, é a grande indústria, que tem o dinheiro – e que inventou o esquema, afinal. (…) Ou seja, estamos falando de economia, de lobbies, de pressões, não de música. Enquanto isso, o ouvinte vai acostumando o ouvido com as barbaridades criadas nos laboratórios de marketing das companhias de disco e perde a capacidade de comparar. E os criadores… Bem, os criadores, os artistas verdadeiros, que existem, quase ninguém sabe, vão resistindo o quanto podem. Um dia, desistem – os novos Chicos e Caetanos, as novas Elis Reginas e Nanas Caymmis, os novos Jobins e Fátimas Guedes um dia desistirão. Precisam comer, vestir-se, sustentar filhos. A ganância dos executivos está promovendo um massacre da cultura brasileira que talvez não tenha similar na história da humanidade. Estão matando de fome o que temos de mais rico – nossa música. Matando de fome a inteligência e a sensibilidade.”

(Disponível em: http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=129&titulo=Sobre_o_Jaba)

Vale ressaltar que o referido artigo foi originalmente publicado no jornal Estado de São Paulo, em 1999, ou seja, há mais de dez anos e vemos que, apesar disso, pouca coisa mudou. Ainda sobre o papel do rádio nos dias de hoje, alguns artistas reclamam que tais veículos também são responsáveis por ditar a forma como suas composições devem ser adaptadas para serem executadas. O cantor e compositor Jay Vaquer comentou o assunto em entrevista concedida a mim para meu livro Música e tecnologia: um novo tempo, apesar dos perigos, defendendo  que: “Eles (agentes das rádios) são gênios da lâmpada criando loucuras. Como pode acontecer uma renovação se as condições de acesso estão vinculadas ao poderio econômico por trás das carreiras?”. Já o cantor Leoni, também em entrevista cedida a mim para o livro, ressalta que “…ele (o rádio) ainda é importante porque o mercado ainda não se adaptou a essa nova fase.

Baseada nessa nova fase do meio musical, marcada pela utilização da internet como um eficiente meio de divulgação, a produtora Liana Brauer, que trabalha na LIGA Entretenimento, responsável por artistas como Lulu Santos, Preta Gil e a banda Scracho, diz que grande parte das bandas que conseguem atualmente desenvolver um trabalho profissional a partir da utilização da internet opta por investir suas receitas obtidas com os shows em divulgação nos veículos tradicionais de comunicação. Ou seja, usa-se a internet para se divulgar um trabalho, e a receita gerada com shows é voltada para pagar a divulgação no rádio (jabá) e TV. Alguma dúvida sobre a importância de tais veículos nos dias de hoje?

Com isso, vemos que apesar de toda a evolução tecnológica, que gerou grandes alterações na sociedade e consequentemente no meio musical, nem tudo mudou. Por mais que se fale da democratização da internet, os interesses coorporativos continuam ditando as regras do mercado e percebe-se que nos últimos anos pouco se evoluiu nesse campo. É bom frisar que estamos em período de mudança de gestão presidencial e registro aqui a importância de se debater tais condutas que, a meu ver, são criminosas e ferem um dos principais valores da identidade nacional: a música brasileira. Fica aqui meu apelo para Ana de Hollanda, atual ministra da Cultura, para que se discutam tais questões. Ou seria caso para o Ministério da Justiça?

Colunista Leo MorelLeo Morel é baterista, percussionista da cena musical carioca e autor do livro Música e tecnologia: um novo tempo, apesar dos perigos. Para conhecer o livro e demais informações acesse http://musicaetecnologia.net/, ou e-mail para leomorel@musicaetecnologia.net.

2011-01-31T21:10:45+00:00 Janeiro 31st, 2011|Categories: colunas, Mídias Musicais|Tags: , , |

About the Author:

Leave A Comment