Fábio Henriques: gravação e mixagem sem mistérios. Parte 1 / Pré-produção

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Fábio Henriques: gravação e mixagem sem mistérios. Parte 1 / Pré-produção

Confesso que não sou daqueles que gosta de apontar determinado profissional, músico ou equipamento como sendo a referência a seguir, ou modelo a ser adotado. Mas no caso do engenheiro de gravação e produtor Fábio Henriques (acima), uma exceção tem que ser feita. Contribuindo para o mundo do áudio com livros importantes, como o Guia de Mixagem vol. 1 e o Guia de Mixagem vol. 2, que abordam o tema muito além do mérito técnico, tangendo aspectos artísticos referentes à criação de arranjos, Fábio engrossa a lista das referências que devemos ouvir – e ler – quando o assunto envolve gravação. Ao longo de 16 anos de carreira, já participou na produção de aproximadamente 250 CDs e DVDs (veja alguns títulos), incluindo nomes como Caetano Veloso, Renato Russo, Legião Urbana, Zelia Duncan, Adriana Calcanhoto, Engenheiros do Hawai, entre outros. 

Graduado Cum laude em Engenharia Eletrônica pela UFRJ, é formado também em engenharia de gravação pelo Recording Workshop, em Ohio, nos Estados Unidos. Ingressou no universo do áudio meio que por acidente e nunca mais saiu dele. Além das gravações e livros que escreve, Fábio Henriques também é colaborador e articulista da revista Áudio Música & Tecnologia, referência no mercado de produção fonográfica. Nas linhas a seguir, o engenheiro fala sobre gravação, homestudio e dá bons toques, nesta primeira parte (do total de duas), sobre produção artística. Leia, aprenda e participe comentando.

Qual a importância do trabalho de pré-produção na gravação de um CD?
Fábio Henriques: Na época em que o mais comum era se gravar CDs em estúdios de médio e grande porte, do lado artístico, a pré-produção era uma ótima ferramenta de definição de repertório, arranjos, músicos e instrumentações a usar e coisas deste tipo. Do lado econômico, era também muito útil para se dimensionar o estúdio a se escolher para gravar. De alguns anos para cá, no entanto, muito do que se fazia durante a produção em si já pode ser feito na etapa de pré-produção. Com um homestudio bem equipado é possível, inclusive, obter resultados muito bons sem nunca precisar migrar para um estúdio maior.

Como se faz um bom trabalho de pré-produção?
Fábio Henriques: Atualmente, o processo de pré-produção se confunde com a maior parte do trabalho de produção em si. Por isso, tudo o que era importante para obter um bom trabalho no estúdio de maior porte é também importante no homestudio, só que em menor grau. Aspectos como os timbres dos teclados, por exemplo, já podem ser definidos nesta fase, sem que se espere chegar à produção em si. Dá para ter uma ótima idéia de como metais, cordas, backing volcals, entre outros elementos, vão soar na música. Aliás, com uma pré bem feita, a produção fica muito mais objetiva, e com melhor uso do orçamento. Para os artistas e arranjadores que gostam de “rodar botões pra ver o que acontece”, a pré é a hora ideal para isso. 

Existe alguma técnica especial para criar arranjos que enriqueçam uma gravação?
Fábio Henriques: Os arranjos devem funcionar para as músicas, e não ao contrário. O arranjo não pode ser maior do que a música, pelo menos a princípio. Existem casos em que o arranjo valoriza a música ao extremo, mas ele não pode ser o centro das atenções. Geralmente, quando o arranjo chama muito a atenção é porque a música é fraca e o arranjador tenta compensar. Existem outros casos em que o arranjo valoriza tanto a qualidade da música que se torna parte integrante dela.

Faça o seguinte teste: pense em Detalhes, de Roberto Carlos, e veja se é impossível de cantar sem as frases de flautas e cordas. Muitas vezes também parece que a música veio a partir do arranjo, ou da harmonização. Alguém já imaginou Message in a Bottle com outra levada de guitarra? O que se deve evitar, por outro lado, é a ausência completa de arranjo, o que eu chamo no meu primeiro livro de Arranjo 5T – Todos Tocam Tudo o Tempo Todo. Só que às vezes, um arranjo minimalista pode ser o que a música precisa – lembram do Caetano com "Sonhos"? Voz e violão! 

Em sua opinião, é possível gravar um trabalho de qualidade em um estúdio caseiro?
Fábio Henriques: Sem dúvida! E não é de hoje. Até bem pouco tempo, quando se usavam bateria, metais e cordas, por exemplo, só ficava bom usando a coisa real, o que demandava um estúdio profissional. Recentemente, porém, os sample players que simulam estes instrumentos ficaram tão perfeitos que, com um trabalho cuidadoso, dá pra obter excelentes resultados. O próprio conceito de "estúdio caseiro" também merece ser revisto. É óbvio que quando estamos falando na possibilidade de gravar para valer não dá para usar aquela placa barata que todo mundo tem, ou a marca de equipamentos que tem tudo bem mais barato que os outros. O Estúdio caseiro tem que ter um mínimo de qualidade, mas não precisa ser caro ao extremo.

Antigamente a limitação dos estúdios mais simples era a qualidade do equipamento, mas hoje isso acabou. A limitação está entre o mouse e a cadeira. Ou seja, não adianta darmos uma BMW ao cara que não sabe nem andar de bicicleta. Por isso, é cada vez mais importante que as pessoas invistam em sua formação, se informem, discutam, ouçam e se façam ouvir. Sejamos realistas. Hoje qualquer um consegue, por meios lícitos ou não, um ótimo software de gravação e uma tonelada de plug-ins. Mas e daí, o que fazer com isso? Quem quiser se aventurar tem que investir em sua formação. E não faltam meios pra isso, como as listas de discussão, os cursos, os livros, as revistas, e blogs como este.

Atualmente qual é a maior dificuldade em gravar um CD em casa?
Fábio Henriques: Ter boas músicas, um bom arranjo, gravar adequadamente e mixar bem. E mais difícil ainda do que gravar um CD é conseguir se fazer ouvir dentre tantas coisas que estão rolando por aí. Repare que não citei "equipamento bom" como quesito.

Quais são os requisitos mínimos para montar um homestudio de qualidade?
Fábio Henriques: Um computador de boa procedência, uma boa placa de áudio, um bom software de gravação com um set de plugins decente. Um par de bons microfones condensadores e um bom dinâmico. Uma mesinha simples, um bom par de caixas e um bom par de fones. Depois, pode-se cuidar um pouco da acústica da sala. Importante também investir pesado na parte artística e pessoal, que é o que faz a diferença.

2009-08-27T22:39:33+00:00 agosto 27th, 2009|Categories: entrevistas|

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