Stravinsky e Mozart foram dois gênios musicais que nos deixaram um imenso legado de composições maravilhosas usando métodos de trabalho totalmente diferentes. O russo, ao longo de diferentes fases de sua vida na Rússia, em Paris e na América, escrevia música um mínimo de quatro horas por dia até sua morte, aos 88 anos. Por outro lado, Mozart morreu aos 35 anos deixando o impressionante número de cerca de 600 obras escritas.
Qualquer comparação artística entre dois gênios como esses seria uma estupidez musical incompatível com o espírito dessa coluna, entretanto, uso os exemplos dessas duas personalidades para levantar uma questão muito importante para um produtor musical: até que ponto é importante ser organizado no dia a dia dos trabalhos? Claro que a personalidade de cada um é que vai definir o procedimento profissional, porque, de uma maneira ou outra, não há dúvida, leitor: você é a música que faz.
Aparentemente, não existe nenhuma relação entre ser bem sucedido profissionalmente e ser organizado e cumpridor de horários, mas pense um pouco: você gosta de esperar? Como se sente ao marcar um horário para um trabalho e ficar sem saber por que seu parceiro não aparece e nem avisa, nesses tempos de celulares, msgs e twitters? Quando vai assistir a um show e tem que encarar sucessivas bandejas de salgadinhos muquiranas regados à cerveja quente, você se sente mais relaxado enquanto o tempo vai passando e os músicos não atacam?
Na minha experiência, mesmo quem se atrasa fica danado da vida quando tem que esperar, e é natural que seja assim: quem espera se sente menos importante do que alguém, ou alguma coisa que deve ser a razão do atraso. Por outro lado, é muito difundida a crença de que artista organizado com seu trabalho e suas obrigações tem menos talento daquele sempre atrasado, que perde várias coisas pelo caminho e acha que “cumprir prazos é para burocratas sem criatividade”.
Sem dúvida, há quem compre essa postura de gênio romântico falsamente contestador, mas no mundo profissional de hoje, a concorrência e a velocidade dos acontecimentos são muito maiores do que em décadas passadas. Quem ainda vive fazendo esse tipo “altista”, está correndo o risco de ficar preso num blazer de ombreiras e achando que aquele riff de “Jump”, do Van Halen, é a novidade mais incrível da música pop.
O uso do tempo é moeda de pagamento de qualquer trabalho para um freelancer, e tudo na vida tem prazo de validade. Acredite naquela energia inicial que você joga no início da confecção de cada trabalho. Se você conseguir manter o clima, ele poderá se estender pelo tempo necessário até terminar, ou quase isso. Se você usar as primeiras horas de um trabalho para escolher entre 238 sons de bumbo, qual o melhor para a música que você ainda nem começou a fazer, vai ficar mais difícil de terminar no prazo, dentro do orçamento e passar para o outro trabalho.
Lembre-se, leitor: ninguém sabe o que o fará ser lembrado para um próximo projeto com o mesmo cliente, mas se você fizer a sua parte, cumprindo essas condições e deixando uma boa impressão, suas chances aumentam muito.
De maneira nenhuma, pense que estou defendendo o “embrulha e manda”, ou a estética de “fábrica de pizzas”, mas assim como músicos têm que ter um bom timing para tocar com groove, produtores devem se ligar no fluxo entre os participantes ao gerenciar seus projetos. A música que se vai fazer dependerá sempre disso.
Nem pressa japonesa, nem preguiça baiana (no mundo real, nenhuma das duas existe!), sincronize o seu tempo ao do cliente. Lembre-se de que, muitas vezes, o maior inimigo do bom é o ótimo e deixe um espaço e os sentidos abertos para os happy accidents que sempre acontecem e podem ser fator decisivo para o sucesso de cada trabalho.
Fique ligado.
Fernando Moura é pianista, compositor, arranjador e produtor de música e trilhas sonoras com mais de 30 anos de experiência no mercado. Saiba mais em www.myspace.com/fernandomoura.
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