Patrão, cliente, ou parceiro?

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Patrão, cliente, ou parceiro?

Um antigo amigo do mundo publicitário sempre me dizia nos momentos que antecediam a apresentação de um trabalho que “de cabeça de cliente e de bolsa de mulher tudo pode sair”. Quase sempre ele estava certo e os pedidos de mudanças não diziam respeito às nossas dúvidas, arrastadas por longos períodos na edição e finalização, mas sim a uma ou outra coisa que não tínhamos a menor suspeita que fosse desagradar.

Para um comercial que começava com uma imagem de Paris, atendendo a uma solicitação da agência, que cuidava da conta do cliente, em “fugir do óbvio”, convidei o saudoso Marcio Montarroyos para um lindo solo de trompete, tendo como inspiração o filme francês O baile. Como nessa época ainda não tinha sido inventada a “referência”, e as gravações eram exclusivamente “presenciais”, o Marcio chegou ao estúdio de cinema, onde se finalizavam comerciais no Rio dos anos 80, fez aquela festa e tocou lindamente os quatro compassos que escrevi, com seu inesquecível som de trompete sobre uma imagem sofisticadíssima da Beth Lago e uma paisagem parisiense.

Ficamos maravilhados, e passamos aos próximos passos, que seria um pequeno solo de trompete sobre uma base preparada por mim com um sequencer dedicado e a assinatura musical da peça, um lançamento imobiliário.

A galera vibrava dentro do estúdio às 3h da tarde, como numa noitada de festival de jazz. Afinal, cada take ficava melhor e mais musical que o outro. Com tudo pronto, chega o cliente e vendo nossa animação pede logo para ouvir, mas como eu estava ainda escolhendo o melhor take da assinatura pedi cinco minutos para mostrar o trabalho pronto.

O cliente saiu, preparamos tudo, apagamos a luz para dar clima e o chamamos para ouvir o resultado. Eis que antes de terminar os quatro compassos da introdução, ele interrompeu bruscamente a apresentação com a pergunta: “de onde saiu essa corneta?” O mínimo que posso dizer aos leitores é que o pai do Marcio era militar, o que agravava ainda mais toda a situação… E agora, leitor, como tratar a pessoa para quem você estava fazendo o trabalho: patrão, cliente, ou parceiro?

Algumas diferenças: a um patrão, talvez o mais indicado fosse pedir desculpas por não ter entendido o briefing, mas com o cuidado de jamais dar a entender que “o pessoal da agência” é que teria passado a instrução de “remeter a Paris sem ser óbvio”.

Desvantagem dessa opção: o pessoal da agência poderia nunca mais chamá-lo para outro trabalho por acharem que você os jogou contra o patrão. Além disso, a imobiliária nunca lhe procuraria diretamente para encomendar uma trilha sonora!

Para um cliente, você poderia mandar o “veja bem” clássico, citando o filme francês e, até mesmo, outros como o O ascensor para o cadafalso, de Louis Malle, que tem como compositor da trilha ninguém menos que Miles Davis e se passa em Paris. Esse longa inclui cenas belíssimas de Jeanne Moreau vagando pela noite enquanto seu amante fica preso no elevador ao voltar de um assassinato.

Desvantagem dessa opção: o cliente poderia se sentir mal por não conhecer o filme, não gostar do Miles Davis e achar você abusado em contrariá-lo, querendo convencê-lo de algo que ele não queria para o seu produto.

Para um parceiro, você poderia fingir que tinha achado que a reclamação era uma piada e imediatamente apresentar o genial trompetista Marcio Montarroyos, que no meio musical atendia pelo apelido de “general”.

Desvantagem dessa opção: criar um clima insustentável entre o parceiro e o músico, que ficariam mutuamente constrangidos e nunca mais iriam querer falar nem trabalhar com você.

O que aconteceu de fato: fingi surpresa com o som “distorcido” que estávamos ouvido, parei a projeção e pedi para o Marcio refazer o take na hora, usando seus pedais de pitch transposer, caprichando nas apogiaturas e bordaduras e usando a surdina harmon, que com seu som suave e delicado lembraria quase que perfeitamente um acordeon francês.

Nas outras intervenções da trilha, que já estavam o trompete gravado, o cliente não reclamou de nada, parecia estar totalmente envolvido com a presença da então deslumbrante Beth Lago.

Se você está vendendo um serviço musical, o atendimento é muito importante, mas a decisão da parada virá pela música muito mais provavelmente…

E falando nisso, leitor: Jingle bells!

Fernando Moura é pianista, compositor, arranjador e produtor de música e trilhas sonoras com mais de 30 anos de experiência no mercado. Saiba mais em www.myspace.com/fernandomoura.

2010-12-21T20:15:36+00:00 dezembro 21st, 2010|Categories: colunas, Sonhos de um Produtor|Tags: , , |

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