É mais fácil ser artista hoje em dia?

///É mais fácil ser artista hoje em dia?

É mais fácil ser artista hoje em dia?

Com o advento da internet e o acesso facilitado aos meios de produção e divulgação musical nos dias de hoje, percebeu-se o surgimento de um número nunca antes visto de novos artistas que buscam inserir-se no mercado objetivando desenvolver um trabalho artístico. Por conta desse fenômeno, pergunto-me se atualmente está mais fácil ou difícil exercer a atividade artística em comparação com o passado, cujo modelo foi moldado de maneira bem sucedida por um longo período de tempo pela indústria fonográfica.

Durante grande parte do século XX, a indústria do disco triunfou por meio de um modelo de negócio homogêneo, baseado na centralização do controle dos meios de produção. Essa produção (os discos, depois fitas cassetes e, mais tarde, os CDs) era escoada no mercado por agentes pré-definidos e, para incentivar o consumo de seus produtos, era realizada o trabalho de divulgação nos tradicionais veículos de comunicação, na época escassos.

Atualmente, percebe-se uma inversão desse quadro em diversos pontos. Se no passado o acesso aos meios de produção musical era detido por um seleto grupo de agentes da cadeia produtiva da música, atualmente, o desenvolvimento de novos sistemas de gravação e produção musical proporcionou o surgimento dos chamados estúdios caseiros, que vêm gradativamente apresentando resultados bastante promissores quando se trata da qualidade sonora do material produzido. Antigamente, eram grandes as dificuldades para registrar uma música em um estúdio por conta dos custos de produção e hoje em dia vemos que nunca foi tão fácil gravar e divulgar uma canção.

Sobre o assunto, o cantor e compositor Pedro Luís, em entrevista concedida a mim para meu livro Música e tecnologia: um novo tempo, apesar dos perigos comentou o assunto: “Gravar era uma fortuna. Na minha primeira demo (gravada por volta de 1981), gastei uma grana que eu não tinha, foram pessoas que admiraram meu trabalho que me deram de presente. Era inatingível gravar.”

O barateamento de tais custos gerou facilidades de acesso aos meios de produção e divulgação musical. Em decorrência disso, nunca se observou na história da indústria da música tamanho volume de material produzido. O cantor Leoni, também em entrevista para meu livro, acrescenta que “Nunca foi tão fácil ouvir música, nunca o ouvinte foi tão privilegiado… Hoje em dia, você tem acesso a todo tipo de música instantaneamente. Para você gravar é muito mais barato e para botar isso para divulgar também está muito mais barato”.

Mas isso significa dizer que atualmente ficou mais fácil desenvolver um trabalho musical em comparação ao passado? Em virtude desse grande número de músicas gravadas e novos artistas, um dos grandes desafios atualmente é conseguir se destacar. Leoni defende que O problema agora é chamar atenção. É tanta música, e como você vai chamar atenção hoje em dia?”

Rodrigo Costa, baixista da banda Forfun, comentou o assunto em entrevista concedida a mim: “Nesse momento, estão podendo chegar à música e às artes em geral pessoas que não chegavam. Um maior volume de arte significa também um maior volume de material de baixa qualidade. Mas acho que, de uma maneira geral, isso é bastante positivo.” Além disso, Rodrigo comentou dos novos desafios que o artista atual deve lidar: “Atualmente, ter uma banda não significa só estudar música e trabalhar música, é importante expandir. Tem que ter uma boa noção de design, de marketing e gestão empresarial.”

No âmbito da divulgação musical, também observou-se significativas alterações. Se no passado os veículos tradicionais de comunicação, como a TV e o rádio, eram escassos no mercado, a internet proporcionou a inserção de novos meios voltados para os mesmos fins, como as plataformas digitais de música, sites e blogs especializados em música, além das estações de rádio digital. O músico, DJ e jornalista musical Melvin Ribeiro (twitter.com/melvin_), em entrevista cedida ao livro, defende que um fenômeno que vem ocorrendo é a mudança dos intermediários na relação entre os artistas e o ouvinte. Segundo ele, por mais que plataformas como o MySpace disponibilizem gratuitamente um grande número de bandas, o ouvinte busca conhecer novos sons por indicações via blogs, sites especializados e formadores de opinião. E acrescenta: “Chegar no público está muito difícil.”

Questionado se atualmente seria mais fácil ou difícil ser artista, Melvin defende: “Acredito que esteja muito mais difícil, pois na época do vinil, as gravadoras lançavam mais artistas, tinham mais tempo e fôlego para desenvolver carreiras e arriscar em novos talentos”. E acrescenta que “… era mais fácil construir uma carreira nos anos 80 e 90 do que agora. Hoje tem dia, poucas bandas conseguem crescer sem a ajuda de agentes da indústria como foi o caso da banda Forfun, mas ela é exceção, você não vai ver por aí dez bandas com histórias similares”.

Por mais que a configuração da indústria tenha sofrido grandes alterações com a inserção de novos agentes na cadeia produtiva da música e a perda do controle do processo produtivo da indústria fonográfica, Melvin também defende que, atualmente, para desenvolver um trabalho musical é quase inviável sobreviver pelas próprias pernas sem ter acesso aos tradicionais meios de comunicação: “… se você quiser viver disso no Brasil, ainda tem de ter acesso ao rádio e a TV”.

Com base nisso, é possível perceber que os desafios para aqueles que estão buscando desenvolver uma carreira artística no mercado da música mudaram em comparação ao passado. Se por um lado está muito mais fácil ter acesso aos meios de produção e divulgação musical, a grande dificuldade no presente é levar a música ao ouvinte, cujo cotidiano está com seu tempo livre cada vez mais escasso e cercado por inúmeras opções de entretenimento como a TV a cabo e a internet.

Mesmo com as alterações apontadas, os depoimentos mencionados nesse artigo demonstram que a atual configuração do mercado ainda trabalha submisso a certas heranças do passado que ainda ditam as regras do meio. Para crescer no meio artístico brasileiro ainda é necessário buscar espaço nos canais de comunicação tradicionais e sujeitar-se às políticas restritivas de acesso, uma das principais dificuldades apontadas por aqueles que compõem este segmento.

Colunista Leo MorelLeo Morel é baterista, percussionista da cena musical carioca e autor do livro Música e tecnologia: um novo tempo, apesar dos perigos. Para conhecer o livro e demais informações acesse http://musicaetecnologia.net/, ou e-mail para leomorel@musicaetecnologia.net.

2011-03-16T20:09:01+00:00 Março 16th, 2011|Categories: colunas, Mídias Musicais|Tags: , , , |

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5 Comments

  1. Sergio Filho Março 17, 2011 at 3:14 am - Reply

    Bom artigo, Léo. Isso realmente é o panorama do cenário musical atual.

    Um abraço!

  2. Silvio Dias Março 17, 2011 at 7:18 am - Reply

    Infelizmente, muita gente acha que o mercado ficou mais democrático, mas, pelo visto, ainda estamos submetidos às mesmas regras! Esse artigo é uma sintese do que passamos hoje em dia! Abs, Silvio!

  3. Pedro de Luna Março 17, 2011 at 9:49 am - Reply

    Concordo com Leoni e Melvin, é uma das coisas que tb estará no meu livro. Antes todos se conheciam, dava pra saber quais as bandas eram novas, quais eram boas, etc. Hoje há uma pulverização, é difícil sobressair. E ainda: a comunicação com o público é mais direta e rápida, porém não fixa. Vc pode mandar um scrap ou falar pelo MSN, mas meia hora depois o cara esqueceu que dia era o show, por exemplo. Logo, apesar do volume absurdo de informações diárias, teremos todos que aprender a selecionar e registrar o que nos interessa. E aí vale a agenda física ou virtual, o velho calendário, etc e tal.

    http://www.arariboiarock.com.br

  4. Leo Morel Março 21, 2011 at 8:52 am - Reply

    Ola Silvio, fico feliz qque você tenha captado um dos objetivos desse artigo que foi mostrar ao leitor que apesar de todas as inovações tecnológicas percebidas, nem tudo mudou, esquemas antigos continuam direcionando o mercado.

    Grande abraço, estou à disposição para mais eclarecimentos.

    🙂

    Leo Morel

  5. Leo Morel Março 21, 2011 at 9:02 am - Reply

    Ola Pedro, tudo bem?

    Concordo com o que escreveu, essa pulverização musical acaba gerando um cenário de caos, um mar quase infinito de informação onde torna-se quase inviável se descatar em meio a inúmeras opções.

    E são tantas as opções de entrenimento hoje em dia que as pessoas acabam não conseguindo absorver tudo aquilo que elas se propõem. Por isso, está cada vez mais difícil chamar atenção do público e esse é um dos grandes desafios de hoje, muitos dizem que está difícil tirar as pessoas de suas casas por conta das mais variadas opções de lazer disponíveis na TV aberta, a cabo e internet.

    Estou à disposição para mais esclarecimentos, ok?

    Abração

    Leo Morel

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